Praticamente tudo que eu disse sobre as
histórias escritas pelos alunos da escola Guido Marlière, vale também para
estas, que acabei de ler. Fiquei, mais uma vez, impressionado com a
surpreendente variedade de motes e estruturas narrativas, que podem ser vistos
e saboreados através destes contos. Se juntarmos todos os contos das duas
fases, teremos quase que um modelo para cada história criada. Isso é muito bom!
Em “A Lenda do Queroz”, acredito que o personagem
foi inventado, criado, significando com isso que o autor ou autores buscaram um
elemento primordial da literatura, que é a originalidade. No entanto, tão
importante quanto a originalidade, é o fato que a estrutura do conto nos remete
à forma de revelação comum ao mito. O que é o mito senão a explicação de como
alguma coisa surgiu, ganhou vida, começou a ser, a existir? Em vez de coisa,
claro, poderia ser alguém. E não é preciso procurar os mitos clássicos; bons
exemplos estão aqui pertinho, nos mitos indígenas.
“O Rei dos Gatos” corresponde aos personagens
que foram criados, mediante uma necessidade imperiosa: ajudar a manter a norma
vigente, que a sociedade tem por correta. Neste conto, sua aparição ameaçadora
se associa à presença-existência de crianças desobedientes. Poderíamos dizer:
uma variação da Cuca para crianças maiores. A Cuca descia do telhado e vinha
pegar as crianças bem pequenas que não queriam dormir. O que já não se inventou
para o descanso das mães mal-dormidas!
A boa história sobre “A Casa Abandonada da
Rua Dutra” concatena dois aspectos de real interesse. O primeiro é aquele,
segundo o qual a pessoa temida ou malévola carrega esta característica da vida
para o além. Às vezes, até piora sua natureza, pois, após a morte, ela se vê
limitada em vários aspectos. E além deste ponto, há outro interessante. Muitas
histórias louváveis, inclusive esta, deixam patente que a coragem vence até o
sobrenatural. Neste conto, o monstro é vencido e morto por uma Mulher, que se
enche de coragem ao ver a filha pequena aprisionada pela estúpida criatura.
“A Lenda das Três crianças da Floresta” segue
um mote frequente nas histórias de monstros e assombrações. As aparições se
repetem quase sempre num mesmo lugar, num mesmo cenário, e se prendem a um fato
singularmente brutal, ali ocorrido no passado. São muito comuns em todo o país,
as águas santas, fontes sagradas, menina santa etc., designando os lugares onde
uma criança teria sido sacrificada de modo brutal por algum maníaco.
Com o passar do tempo, felizmente, estes
lugares malditos pelo acontecimento tenebroso acabam ganhando uma aura diversa
em que a imagem da criança se associa a fenômenos de elevação espiritual e até
milagres.
Luiz Galdino/ SP.24.11.2011